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Saúde Mental em tempos de COVID-19: Uma revisão da evidência já publicada, por José Antunes

21 de abril de 2020


RESUMO: 
A pandemia de COVID-19 coloca aos serviços de saúde grandes desafios. A saúde mental é inevitavelmente afectada por esta situação, uma vez que o medo e a incerteza causam um profundo impacto nas pessoas. Também as medidas de isolamento social e de confinamento, fundamentais na contenção da propagação da doença, acabam por produzir efeitos nocivos, uma vez que o ser humano é por natureza um ser gregário e social. Fez-se uma pesquisa da pouca literatura biomédica já publicada sobre o assunto, na tentativa de esclarecer as muitas dúvidas que se colocam sobre a melhor resposta a dar em termos da saúde mental. Os resultados encontrados apontam no sentido de incluir a saúde mental, de uma forma integrada, na resposta geral do sistema de saúde à emergência. A intervenção deverá ser planeada de forma a atender às necessidades dos diferentes grupos populacionais, privilegiando as formas de comunicação à distância, através dos mais diversos meios que podem ser utilizados para dar informação, prestar cuidados de saúde, fornecer treino e apoiar a investigação.'

Palavras-chave: Saúde mental, COVID-19, revisão   

ABSTRACT: The COVID-19 pandemic poses major challenges for health services. Mental health is inevitably affected by this situation, as fear and uncertainty have a profound impact on people. The measures of social isolation and confinement, which are fundamental in containing the spread of the disease, also end up having harmful effects, since the human being is by nature a gregarious and social being. There was a survey of the scarce biomedical literature already published on the subject, in an attempt to clarify the many doubts that arise about the best approach in mental health care. The results found point towards including mental health as an integrated approach in the emergency health response. The intervention should be planned in order to meet the needs of different population groups, privileging the forms of communication at distance which can provide information, health care, training and support research.

Keywords: Mental health, COVID-19, review

A cidade chinesa de Whuan reportou, em finais de Dezembro de 2019, um tipo de pneumonia causado por um novo coronavírus, que se espalhou pela China e depois internacionalmente. O vírus foi denominado Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2 (SARS-CoV-2) e a doença causada por ele designada como COVID-19 (do inglês coronavirus disease of 2019). Em 30 de Janeiro a Organização Mundial de Saúde declarou o surto de COVID-19 como uma emergência global em Saúde Pública (Lai et al., 2020). A 22 de Fevereiro 77.816 pessoas em todo o mundo tinham já sido infectadas, 21.147 tinham recuperado da doença e 2.360 tinham morrido. Fora da China 32 países e territórios já estavam afectados (Ho, Chee, & Ho, 2020). O primeiro caso em Portugal foi confirmado a 2 de Março. A 11 de Março de 2020 a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou a pandemia.

O facto de a COVID-19 ser transmissível de pessoa a pessoa, ter alta letalidade e poder ser potencialmente fatal intensifica a percepção de perigo pessoal e as reacções psicológicas adversas como já tinha acontecido em surtos anteriores, nomeadamente o de SARS (Severe Acute Respiratory Syndrome) em 2003 (Lai et al., 2020). A proliferação do medo resultando em comportamentos erráticos nas pessoas durante surtos infecciosos é um fenómeno compreensivelmente e expectável, uma vez que qualquer pessoa de qualquer género, características sociais ou demográficas pode ser infectada (Ho et. al., 2020). O medo no público manifesta-se através de discriminação, estigmatização e procura de bodes expiatórios, quer em populações, quer nas autoridades e cientistas (Shigemura, Ursano, Morganstein, Kurosawa, & Benedek, 2020).

O medo do desconhecido aumenta o nível de ansiedade, tanto nos indivíduos saudáveis como naqueles com problemas de saúde mental já instalados e a gravidade e a imprevisibilidade da situação pode aumentar a preocupação entre as pessoas (Zandifar & Badrfam, 2020). A incerteza e a imprevisibilidade da COVID-19 não apenas ameaçam a saúde física das pessoas, mas também afectam a sua saúde mental, em termos de emoções e cognição (Li, Wang, Xue, Zhao & Zhu, 2020).

As epidemias nunca afectam uma população de forma igual e as desigualdades favorecem sempre a propagação das infecções. As pessoas com problemas de saúde mental são geralmente mais susceptíveis a infecções (Yao, Chen, & Xu, 2020), nos idosos o isolamento tem impacto não só na qualidade de vida mas também nos resultados médicos (Nicol, Piccirillo, Mulsant, & Lenze, 2020) e os trabalhadores migrantes encontram mais barreiras no acesso aos cuidados de saúde nos países de acolhimento (Liem, Wang, Wariyanti, Latkin, & Hall, 2020). É fundamental salvaguardar a saúde mental dos trabalhadores da saúde uma vez que estes são a chave do sucesso para o bom funcionamento dos serviços de saúde (Ho e tal., 2020). No público em geral aqueles sem educação formal têm uma maior probabilidade de depressão durante a epidemia (Wang et al., 2020). Na China, o primeiro país a enfrentar o problema, a intervenção foi segmentada por grupos populacionais (Dong & Bouey, 2020). 

Os cuidados de saúde à distância, especificamente na área da saúde mental são viáveis e apropriados para apoiar pacientes, familiares e profissionais dos serviços de saúde durante a pandemia e são perfeitamente adequados às pessoas em isolamento ou em locais remotos que podem assim ter acesso a serviços importantes sem aumentar o risco de infecção (Zhou et al., 2020). No entanto os adultos mais velhos têm acesso limitado a serviços online e a telefones inteligentes devendo os decisores e as autoridades de saúde desfazer as barreiras que se colocam aos idosos e fornecer-lhes serviços psicológicos de alta qualidade na comunidade (Yang, Li, Zhang, Zhang, Cheung, & Xiang, 2020). A educação para a saúde mental também deverá feita de uma forma alargada, recorrendo especialmente a recursos online, assim como deverá acontecer com a investigação (Liu et al., 2020). A intervenção psicológica deverá contar com uma coordenação, reunindo os especialistas, no sentido de elaborarem orientações técnicas sobre intervenção psicológica em situação de emergência, na dependência da orientação das autoridades de saúde (Dong & Buey, 2020) e as intervenções psicológicas durante esta crise deverão fazer parte das respostas do sistema de saúde, num contexto duma emergência de saúde pública (Zandifar & Badrfam, 2020). Incluir a saúde mental na resposta de emergência do sistema de saúde pública ajudará a conter e a erradicar a pandemia (Bao, Sun, Meng, Shi, & Lu, 2020).

 

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa na PubMed, que é um mecanismo de busca para acesso gratuito à base de dados MEDLINE de citações e resumos da investigação biomédica, desenvolvida pela National Library of Medicine (NLM), utilizando os termos MeSH: COVID-19 e Mental Health seleccionando os artigos publicadas até ao dia 25 de Março de 2020, com o objectivo de estudar os problemas e as repostas de saúde mental durante a actual pandemia. Para a estruturação desta análise aplicou-se o modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses) considerado como indispensável para elaborar uma revisão sistemática ou meta-análise (Liberati et al., 2009). Os critérios de inclusão foram: serem artigos sobre COVID-19 e saúde mental e estarem redigidos em língua inglesa ou, não o estando, apresentarem um resumo em inglês. Foram critérios de exclusão: artigos duplicados, artigos escritos em outras línguas que não a inglesa, sem resumo em inglês, artigos baseados em casos clínicos ou tratamentos de medicina alternativa e artigos não concordantes com o objectivo da revisão que é conhecer as respostas da saúde mental à pandemia de COVID-19.

 

RESULTADOS

A pesquisa efectuada resultou na identificação de 26 artigos que foram todos englobados nesta selecção uma vez que todos respeitavam os critérios de inclusão e de exclusão definidos.

Aspectos gerais

Um relatório de vigilância epidemiológica do Centro de Controle de Doenças da China (China CDC) publicado a 29 de Fevereiro faz uma descrição do quadro clínico e da sintomatologia dos doentes. A febre (88,7%), tosse (67,8%) e a fadiga (38,1%) são os principais sinais e sintomas, enquanto a opacidade em vidro fosco (56,4%) e sombreamento irregular bilateral (51,8%) foram os achados radiológicos mais comuns na TAC (Tomografia axial computadorizada) do tórax estando a linfocitopenia presente em 83,2% dos pacientes. A principal via de transmissão é a via respiratória através de gotículas no contacto próximo. Dos casos confirmados em laboratório 23,7% tinham pelo menos uma doença coexistente (por exemplo, hipertensão e diabetes) 5,0% foram admitidos numa unidade de cuidados intensivos (UCI) e 2,3% foram submetidos a ventilação mecânica invasiva. Os tipos de suporte ventilatório, usados no contexto da epidemia foram a oxigenoterapia de alto fluxo, a ventilação não invasiva, a ventilação mecânica invasiva e a oxigenação extra-corpórea por membrana. Os doentes graves podem desenvolver lesão miocárdica aguda (29%), lesão renal aguda (23%) ou disfunção hepática (29%) e 71% destes doentes graves necessitaram de ventilação mecânica (Zhang, 2020). 

A pandemia de COVID-19 teve uma rápida expansão. Uma variedade de factores influencia a disseminação dos vírus. Elevadas densidades populacionais, estruturas sanitárias débeis, falta de recursos de saúde, pobreza e grande mobilidade das pessoas podem facilitar a sua difusão (Malta, Rimoin, & Strathdee, 2020). Na ausência de uma cura médica para o COVID-19, a resposta global é uma estratégia simples de saúde pública, que passa pelo isolamento dos infectados, a redução do contacto social para evitar a disseminação do vírus e medidas simples de higiene como a lavagem frequente das mãos no sentido de reduzir o risco de infecção (Zhou et al., 2020).

Como verificado noutras epidemias a preocupação e o medo da morte podem aparecer nas pessoas, ao mesmo tempo que sentimentos de solidão e raiva se instalam naqueles em quarentena que perdem a suas conexões sociais (Zandifar & Badrfam, 2020). Os estudos realizados em anteriores epidemias mostraram o profundo e largo espectro de impactos que estas podem provocar nas pessoas. 

A supressão social coloca os idosos em risco de efeitos adversos na sua saúde física e mental, decorrentes do isolamento social, que ocorre em paralelo com a redução no acesso a cuidados de saúde e a uma exposição sustentada à incerteza e ao medo. Um ponto positivo, no cenário sombrio do distanciamento social, foi a aprovação relativamente rápida das plataformas de cuidados de saúde à distância para o atendimento clínico (Nicol et al., 2020). Para os que sofrem com a perda traumática e repentina de um ente queridos, a incapacidade de fazer o luto pode resultar em raiva e ressentimento. Nos doentes ou nos que enfrentam uma quarentena é frequente a vergonha, culpa ou estigma (Ho et al., 2020). Os trabalhadores da saúde na primeira linha têm um risco especialmente alto para sintomas de depressão, ansiedade, insónia e angústia podendo a sua saúde mental exigir uma atenção especial (Lai et al., 2020). Especialmente os que trabalham em serviços de urgência, unidades de cuidados intensivos e serviços de isolamento têm um maior risco de desenvolver sintomas do que os de outros serviços, possivelmente porque estão directamente expostos a doentes infectados e a um trabalho extenuante (Ho et al., 2020). 

Portanto, é essencial entender as possíveis alterações psicológicas causadas pelo COVID-19 de uma forma oportuna. As pessoas tendem a exagerar as suas atitudes e os seus prejuízos quando se sentem mais vulneráveis à transmissão da doença (Li et al., 2020). O encerramento dos serviços e o fecho das indústrias têm impactos negativos na economia e muitas pessoas acabam por sofrer perdas financeiras ou a ameaça do desemprego, intensificando ainda mais as emoções negativas vividas (Ho et al., 2020). O isolamento permite atingir os objectivos de contenção da epidemia mas reduz o acesso à família e amigos e degrada os sistemas normais de apoio social causando solidão. Existe assim um risco de agravamento da ansiedade e dos sintomas depressivos. Quando não tratados, estes sintomas psicológicos podem ter efeitos a longo prazo na saúde dos pacientes e requerem tratamento que aumentará os encargos a doença (Zhou et al., 2020).

Na China a popularização dos serviços de internet e dos telefones inteligentes permitiu aos profissionais de saúde mental e às autoridades de saúde fornecerem online serviços de saúde mental desde as fases iniciais do surto de COVID-19 (Liu et al., 2020). A Internet foi o principal veículo de informação em saúde para o público em geral, durante o período inicial da epidemia de COVID-19 na China (Wang et al., 2020). A educação para a saúde mental foi também feita de uma forma alargada, recorrendo especialmente a recursos online criados por vastas equipas de profissionais de saúde mental, académicos e universidades que desenvolveram livros digitais, aconselhamento psicológico, intervenções de auto-ajuda, psicoterapia de tipo cognitivo-comportamental (TCC) e até sistemas de inteligência artificial capazes de detectar crises psicológicas. A investigação à distância foi intensa usando recursos online e visando diferentes populações incluindo equipes médicas, pacientes com COVID-19, estudantes e população em geral, não só na província de Hubei onde o surto se iniciou, mas um pouco por toda a China (Liu et al., 2020). 

Os profissionais de saúde desenvolveram canais de comunicação próprios. A Faculdade de Medicina da Universidade de Yale (New Haven, Connecticut), foi a primeira instituição a organizar uma série de seminários online discutindo os principais problemas enfrentados pelos anestesiologistas e intensivistas. Estes seminários online atraíram entre 30.000 a 60.000 profissionais durante a transmissão ao vivo e foram visualizados aproximadamente 1.000.000 de vezes numa semana. Os anestesistas chineses lançaram uma plataforma de aconselhamento gratuito em saúde mental, para todos os profissionais de anestesia, capaz de fornecer consultas a mais de 200 pessoas por dia, em dois períodos distintos. Em simultâneo criaram um fórum online onde peritos respondiam às questões colocadas em directo pelos profissionais. Os tópicos abordados incluíam orientações e recomendações práticas, medidas de controlo da infecção, auto-protecção e actuação em blocos operatórios. O objectivo destes esforços foi garantir que todos entendessem e cumprissem as novas exigências e medidas de precaução (Zhang et al., 2020).

Wendelboe et al. (2020) disponibilizaram um manual para exercícios de simulação de situações disponível aqui:

 https://www.wmpllc.org/ojs/index.php/jem/article/view/2724 ou em https://doi.org/10.5055/jem.2020.0464 que poderá ser adoptado por universidades, empresas e outros sectores de actividade. O objectivo principal destes exercícios é capacitar as instituições na preparação de planos de contingência no cenário de surtos de COVID-19 e proceder à sua implementação.

Ao nível da comunidade, pode haver desconfiança em relação a outros indivíduos em termos de propagação da doença e também relativamente ao governo e aos serviços de saúde em termos da sua capacidade de conter o surto. Os governos e as autoridades de saúde devem oportunamente transmitir, informações de saúde precisas e baseadas em evidências sobre a epidemia ao público, através dos meios de comunicação social e das novas plataformas, para minimizar o impacto prejudicial de notícias falsas propagadas nas redes sociais. Ao mesmo tempo devem difundir conselhos práticos sobre como o público deve reagir durante a epidemia e as formas de enfrentar o medo, nomeadamente através da gestão do stress e de técnicas de relaxamento, divulgadas por videoclipes e desenhos animados que são facilmente compreendidos. A maior satisfação com as informações de saúde recebidas está correlacionada com um menor sofrimento psicológico (Ho et al., 2020). 

A resposta individual

A incerteza numa situação de epidemia causa dissonância cognitiva e insegurança que se traduzem em desconforto mental conduzindo a actividades destinadas à redução desse mesmo desconforto, orientadas para a manutenção da segurança, saúde e do relacionamento familiar (Li e tal., 2020). O medo do desconhecido aumenta o nível de ansiedade tanto nos indivíduos saudáveis como naqueles com problemas de saúde mental já instalados (Shigemura et al., 2020). Durante o surto de SARS (Sindroma Respiratória Aguda Grave), os estudos então desenvolvidos mostraram um impacto psicológico significativo nos não infectados, expresso por uma morbilidade psiquiátrica significativa especialmente em idades mais jovens (Wang et al., 2020). No público em geral e a nível individual podem desencadear-se novos sintomas psiquiátricos em pessoas sem doença mental ou agravarem-se as condições daqueles com doenças mentais pré-existentes, causando sofrimento aos cuidadores dos indivíduos afectados. Independentemente da exposição as pessoas podem sentir medo e ansiedade de adoecer ou morrer, desamparo ou culpa por outras pessoas doentes que podem conduzir a um colapso mental. Verificou-se que a morbilidade psiquiátrica variou entre depressão, ansiedade, ataques de pânico, sintomas somáticos e sintomas de perturbação de stress pós-traumático (PSPT) até ao delírio, psicose e mesmo suicídio, que foram neste último caso, associados a uma idade mais jovem e ao aumento dos sentimentos de culpa. As emoções podem ser amplificadas por condições pré-existentes como perturbações depressivas ou de ansiedade e contribuírem para ruminações aumentadas sobre a possibilidade de contrair a doença, o que pode modelar profundamente o comportamento social das pessoas e a sua interacção com os outros. Todos os médicos, mas especialmente os clínicos gerais, devem fazer o despiste de sintomas psicológicos nas suas consultas. (Ho et al., 2020). As teorias comportamentais consideram que as pessoas desenvolvem emoções negativas como a aversão e a ansiedade e fazem avaliações cognitivas negativas, no sentido de assegurar a sua auto-protecção. Diante de uma doença potencialmente ameaçadora da sua saúde, os indivíduos tendem a desenvolver comportamentos de evitamento e obedecem estritamente às normas sociais, aumentando o seu conformismo. As teorias do stress e do risco percebido referem também que as emergências de saúde pública desencadeiam um maior número de emoções negativas e que estas afectam a avaliação cognitiva. As emoções negativas, funcionam como uma defesa e mantêm as pessoas longe de possíveis agentes patogénicos e da doença (Li et al., 2020).

Durante surtos de doenças, a ansiedade começa a aumentar após a primeira morte, escalando com a cobertura mediática e o aumento do número de novos casos. Também é provável que a quarentena em massa aumente substancialmente a ansiedade por variadas razões. A ansiedade elevada pode ter implicações indirectas noutros problemas de saúde (Lima et al., 2020). A ampla cobertura da epidemia pela comunicação social pode influenciar a saúde física do público e a resposta psicológica à ameaça da doença infecciosa, ampliando inevitavelmente a apreensão ao mesmo tempo que funciona como uma ferramenta essencial para incentivar precauções e medidas preventivas (Ho e tal., 2020).

Um estudo realizado na China durante o surto inicial de COVID-19 mostrou que 53,8% dos entrevistados avaliaram o impacto psicológico do surto como moderado ou grave e 16,5% apresentaram sintomas depressivos moderados e graves, enquanto 28,8% manifestaram sintomas moderados e graves de ansiedade e 8,1% relataram níveis de stress igualmente elevados (Ho et al., 2020). Ao estudarem os utilizadores da rede social chinesa Weibo, muito semelhante ao Facebook, antes e depois do anúncio da epidemia na China Li et al. (2020) encontraram um aumento das emoções negativas (ansiedade, depressão e indignação) e da sensibilidade a riscos sociais, bem como uma diminuição de emoções positivas e da satisfação com a vida, após a declaração da epidemia de COVID-19 na China. Além disso, as pessoas mostraram uma maior preocupação com a saúde e a família e um decréscimo de atenção nas actividades de lazer e com os amigos. As mensagens relacionadas com a morte e religião tornaram-se salientes. A investigação confirmou que as pessoas tendem a reagir às emergências procurando o caminho da religião, o que pode ajudar a reduzir a tensão, melhorar o humor e conduzir a emoções mais positivas. Os estudos têm apontado para uma elevada prevalência de angústia nos longos tempos de quarentena associada a um aumento da prevalência de sintomas de PSPT que estão relacionados com os sintomas depressivos (Ho et al., 2020).

Profissionais de saúde

Os profissionais de saúde que estão directamente envolvidos no diagnóstico, tratamento e atendimento de pacientes com COVID-19 correm o risco de desenvolver angústia e outros sintomas da área da saúde mental. O número sempre crescente de casos, a carga de trabalho esmagadora, a carência de Equipamentos de Protecção Individual (EPI), a disseminação generalizada da cobertura mediática, a falta de medicamentos específicos e o sentimento de apoio inadequado podem contribuir para a sobrecarga mental desses profissionais de saúde (Lai et al., 2020). Estudos em epidemias anteriores revelaram que os trabalhadores da saúde dos serviços de urgência, unidades de cuidados intensivos e enfermarias de isolamento têm maior risco de desenvolver efeitos psiquiátricos adversos do que os que trabalham noutros serviços, possivelmente por estarem directamente expostos ao vírus e desenvolverem um trabalho altamente exigente. Os factores de risco identificados no desenvolvimento de morbilidades psicológicas foram a falta de apoio social e de comunicação, as estratégias de enfrentamento desadaptativas e a falta de treino (Ho et al., 2020).

Li et al. (2020) discutem o papel da traumatização vicariante, também designada de traumatização por procuração, entre os que combatem a epidemia. A traumatização vicariante foi inicialmente descrita como um fenómeno atingindo psicoterapeutas profissionais, que são involuntariamente afectados pelas interacções bidireccionais resultantes das consultas e entrevistas com doentes mentais, durante um seguimento prolongado. Actualmente o conceito de traumatização vicariante foi estendido a um grande número de desastres cruéis e destrutivos, onde os danos excedem a tolerância psicológica e emocional, conduzindo indirectamente a várias anormalidades psicológicas. Essas anormalidades psicológicas são derivadas da simpatia com os sobreviventes e podem conduzir a sérios problemas físicos e mentais, desde a angústia até ao colapso mental. Os principais sintomas da traumatização vicariante são a perda de apetite, a fadiga, o declínio físico, distúrbios do sono, irritabilidade, desatenção, letargia, medo e desespero. Frequentemente, estes sintomas são acompanhados por respostas de traumautização e conflitos interpessoais.

Um estudo multicêntrico desenvolvido na China que envolveu 1563 médicos encontrou uma prevalência de depressão (definida como uma pontuação total ≥ 5 no Patient Health Questionnaire-9) da ordem dos 50,7% e de ansiedade (definida como uma pontuação total de ≥ 5 no Generalized Anxiety Disorder-7) rondando os 44,7%. A insónia atingiria 36,3% (definida como uma pontuação total de ≥ 8 no Insomnia Severity Index) e de stress relacionado com os sintomas (definido como o total da pontuação ≥ 9 no  Events Scale-Revised) de 73,4% (Liu et al., 2020). Resultados semelhantes foram encontrados noutro estudo conduzido por Lai et al. (2020) em 34 hospitais chineses chamando a atenção para o elevado risco de sintomas de depressão, ansiedade, insónia e angústia nos trabalhadores da saúde da linha da frente, especialmente em enfermeiros e nas mulheres. 

Na epidemia de COVID-19, a incidência de perturbações de ansiedade e stress foi elevada nas equipes médicas, sendo maior nas mulheres que nos homens e maior nos enfermeiros do que nos médicos. As instituições devem fortalecer o treino de competências psicológicas nas equipes médicas e de enfermagem e dar uma atenção especial à saúde mental das enfermeiras mulheres (Huang, Han, Luo, Ren, & Zhou, 2020). No entanto a implementação de serviços de intervenção psicológica pode encontrar obstáculos, nomeadamente a relutância das equipes médicas e de enfermagem em participarem nas sessões. Mesmo assim, essas equipas podem beneficiar do treino para identificar e abordar problemas psicológicos nos doentes com COVID-19 e do ensino sobre as formas de lidar com doentes não colaborantes (Chen et al., 2020).

É importante salvaguardar a saúde mental dos trabalhadores da saúde uma vez que estes são a chave do sucesso para o bom funcionamento dos serviços de saúde. A organização deve considerar turnos de trabalho mais curtos, períodos regulares de descanso e turnos rotativos para aqueles que trabalham em áreas de alto risco. O apoio de colegas e supervisores, a clara comunicação de directivas e medidas cautelares podem ajudar a reduzir os sintomas psiquiátricos. As medidas de controlo de infecção podem atenuar e facilitar uma resposta adaptativa ao stress. O treino adequado em controlo da infecção feito às equipes é imperativo, assim como directrizes e protocolos claros a serem seguidos por todos os funcionários (Ho et al., 2020).

Idosos

O isolamento social alargado bem como a quase supressão de transportes públicos, transformam-se numa enorme barreira no acesso aos tratamentos de manutenção dos idosos (Yang et al., 2020). O isolamento permite atingir os objectivos de contenção da epidemia mas reduz o acesso à família e aos amigos e degrada os sistemas normais de apoio social causando solidão, existindo assim um risco de agravamento da ansiedade e dos sintomas depressivos. Quando não tratados, estes sintomas psicológicos podem ter efeitos a longo prazo na vida e na saúde dos pacientes e requererem tratamento que aumentará os encargos com a doença (Zhou et al., 2020). 

Nicol et al. (2020) discutem as formas de enfrentar a situação e chamam a atenção para as consequências do isolamento.Um dos contributos mais importantes para a mortalidade por todas as causas nos idosos é o isolamento social. Tal como, a exposição prolongada a um ambiente de incerteza e medo que tem efeitos negativos duradouros na sua saúde física e mental. Em todos os casos, mas em particular nos idosos, a conexão humana é um verdadeiro antídoto. A promoção do distanciamento social leva à desconfiança e a desconfiança amplifica os estados emocionais negativos associados a esse sentimento. O isolamento nesse contexto tem um impacto mensurável não apenas na qualidade de vida, mas também nos resultados médicos. Os seres humanos evoluíram para almejar e buscar conexões com os outros ao longo de sua vida. No entanto, breves episódios de contacto visual directo e recíproco, mesmo que feitos remotamente através de meios digitais, podem ser eficazes na mobilização de respostas de conexão biológica no cérebro. Estas conclusões, decorrentes da investigação científica, tem implicações na forma como apoiamos e prestamos cuidados aos idosos. Os autores preconizam como possíveis soluções a aplicação de abordagens inovadoras no atendimento, como o acompanhamento por telefone e preconizam que os registos electrónicos de saúde possam ser utilizados para identificar pacientes em risco. As ferramentas digitais podem ainda ser utilizadas para fornecer consultas por via electrónica ou aconselhamento aos profissionais de saúde que cuidam de pacientes idosos vulneráveis com acesso limitado a cuidados especializados. A organização desta resposta deve ser planeada em termos comunitários.

Populações psiquiátricas

Os doentes psiquiátricos apresentam particularidades distintas dos demais doentes especialmente durante o internamento. Zhu, Chen, Ji, Xi, Fang, e Li (2020) discutem esta problemática com base nas experiencia adquirida durante o surto de SARS que atingiu a China em 2003. Pode ser difícil a aceitação do auto-isolamento por doentes psicóticos que habitualmente têm uma baixa percepção das alterações no ambiente externo e falta de senso relativamente à sua auto-protecção. No caso de uma ocorrência de COVID-19 num paciente psicótico, os médicos devem tomar precauções antes de receber o doente para internamento. Os psiquiatras sabem que estes doentes pertencem a um grupo especialmente susceptível e portanto devem preparar a sua admissão. É mais difícil para estes doentes cumprirem os procedimentos adequados especialmente na avaliação pré-hospitalar e no isolamento, no entanto estes procedimentos têm de ser seguidos e não podem ser simplificados. Devem ser identificados os indivíduos de alto risco atempadamente no sentido de evitar acontecimentos extremos como comportamento impulsivos, crises psicológicas de grupo ou suicídio. Fomentar a participação voluntária dos sobreviventes infectados e curados pode ajudar na gestão dos problemas. No seguimento de pacientes psicóticos pode ser útil aumentar a duração das prescrições nos doentes em ambulatório e estáveis, garantir a monitorização remota dos doentes em ambulatório mas instáveis e estar alerta para o risco de doentes que necessitam de hospitalização, planeando cuidadosamente este internamento e as precauções a serem tomadas. 

Migrantes

Liem et al. (2020) discutem a problemática dos migrantes em termos da pandemia de COVID-19. Os trabalhadores migrantes encontram mais barreiras no acesso aos cuidados de saúde nos países de acolhimento. Em condições normais têm uma maior incidência de perturbações mentais comuns (por exemplo depressão) e uma menor qualidade de vida do que as populações locais. Esta situação vai piorar durante a epidemia de COVID-19 devido ao potencial medo de quarentena imposta pelos governos com a consequente perda de rendimento. Na ausência de informações no seu próprio idioma os migrantes podem não reconhecer a gravidade da epidemia nem receber informações precisas sobre a forma de se protegerem. A difusão de informações desadequadas e o pânico podem fazer atrasar as idas aos cuidados de saúde por medo e receio de estigmatização. No entanto, a maioria dos migrantes tem telefones inteligentes que podem ser úteis na ajuda e no fornecimento de informações e apoio social durante a epidemia, como aconteceu no anterior surto de MERS (Síndrome Respiratória do Médio Oriente). Independentemente da autoconfiança e da resiliência das comunidades migrantes as suas necessidades de saúde devem ser uma prioridade urgente da saúde pública porque a infecção entre esses indivíduos pode conduzir à infecção de uma comunidade e eventualmente afectar a saúde de toda a população. Deve por isso ser facilitado o acesso dos migrantes aos cuidados de saúde. As campanhas de saúde pública deverão estar disponíveis em vários idiomas e ser difundidas através de vários canais e redes de comunicação, assegurando que os trabalhadores migrantes não irão ser negligenciados nesta epidemia. 

Os estrangeiros, em quarentena ou isolados em hospitais, apresentam um risco aumentado de problemas psiquiátricos, uma vez que estão privados dos seus apoios sociais e vivem na incerteza do repatriamento necessitando assim de um apoio emocional adequado à sua situação (Ho et al., 2020).

Intervenção por grupos

Dong e Bouey (2020) traduziram para inglês, as normas implementadas na China durante a epidemia de COVID-19 e os pontos-chave da intervenção nas crises psicológicas segundo os diferentes grupos definidos. A população afectada pelo surto de COVID-19 foi dividida em quatro grupos. Na primeira linha ficaram os pacientes confirmados com COVID-19 e os profissionais de saúde da linha de frente. Seguidamente os pacientes com formas ligeiras, isolados em casa ou que recorreram ao hospital. Na terceira linha ficaram as pessoas relacionadas com a população do primeiro e do segundo grupo como membros da família, colegas, amigos, voluntários e dirigentes de organizações. O quarto nível ficou constituído pelos residentes nas áreas geográficas afectadas pela epidemia e o publico em geral afectado pelas medidas de prevenção e controle de epidemias. 

As pessoas que adoecem durante a epidemia constituem um grupo específico que deve ter uma atenção especial. A população que apresenta sintomas como calafrios, tosse, tonturas, mialgias e dor de garganta, bem como aqueles com mau estado de saúde ou com um histórico de doenças crónicas experimentam, um impacto psicológico do surto, com níveis mais elevados de stress, ansiedade e depressão. Após a sua entrada nos serviços de saúde com os sintomas físicos acima descritos, os pacientes podem ser enviados para casa de quarentena ou ficarem internados para uma investigação adicional. Os profissionais de saúde devem aproveitar todas as oportunidades para fornecer recursos de apoio psicológico e intervenções para aqueles que se apresentam com sintomas psicológicos especialmente durante a hospitalização. Uma avaliação familiar é essencial nestas situações e os profissionais de saúde devem perguntar sobre o nível de preocupação com o contágio relativamente a outros membros da família, especialmente no caso de existirem crianças, pois essas preocupações estão associadas ao stress e à ansiedade. A população sem educação formal tem uma maior probabilidade de depressão durante a epidemia. As mulheres sofrem também um maior impacto psicológico e experienciam níveis mais elevados de stress, ansiedade e depressão bem como os estudantes, provavelmente pela incerteza quanto ao potencial impacto negativo na sua progressão académica (Wang et al., 2020) ou devido ao facto de se encontrarem a estudar no exterior quando o surto se iniciou (Zay & Du, 2020). Importante é também não esquecer que outras doenças e outros doentes continuam a necessitar de cuidados de saúde, podendo por vezes ser difícil o diagnóstico diferencial com a COVID-19, como acontece por exemplo, com os doentes com cancro do pulmão (Yang,  Xu, & Wang, 2020).

Abordagens terapêuticas

Em pessoas que exageram o risco de contrair a doença e morrer com o vírus a terapia cognitiva pode desafiar o seu viés cognitivo. Por outro lado, a terapia comportamental pode ensinar técnicas de relaxamento para combater a ansiedade e ajudar a programar actividades para que se possa prevenir a depressão. A TCC através do aprimoramento do controle do stress, também pode mitigar o enfrentamento não adaptativo da doença e a culpa. Estilos de enfrentamento não adaptativos têm sido associados com piores resultados psicológicos. A terapia baseada no Mindfulness, que se apoia na meditação pode ser particularmente útil para aliviar o stress em pessoas com sintomas físicos (Ho et al., 2020). Os conteúdos das intervenções psicológicas (por exemplo da TCC) devem ser adaptados para atender às necessidades da população em geral durante a epidemia. A TCC deve ser feita preferencialmente online ou por telefone para evitar a propagação da infecção. A intervenção deve fornecer informações ou evidências no sentido de aumentar confiança dos pacientes na capacidade dos médicos para diagnosticar COVID-19. Durante a epidemia, a terapia comportamental poderia basear-se em exercícios de relaxamento para combater a ansiedade e no agendamento de actividades (por exemplo, exercícios e entretenimento em casa) para combater a depressão no ambiente doméstico (Wang et al., 2020).

Dong e Bouey (2020) descrevem a abordagem psicológica preconizada nas orientações criadas na China. Nos doentes confirmados de COVID-19 cuja apresentação típica, se faz com prostração, negação, raiva, medo, ansiedade, depressão, decepção, reclamação, insónia e comportamentos agressivos deve ser feita a avaliação atempada do risco de suicídio, lesões pessoais e comportamentos agressivos, devendo ser dado um apoio psicológico positivo ajudando a criar confiança na recuperação e explicando a importância do isolamento, que não é apenas um meio de conseguir uma mais rápida recuperação, mas também uma forma de proteger os seus entes queridos e a sociedade. Os princípios a usar são o suporte e a empatia que podem ajudar a estabilizar as emoções. Nas pessoas em isolamento, os sentimentos de solidão e as queixas de falta de ajuda devido ao medo da doença, a atenção deve ser posta no auxílio à comunicação com familiares e entes queridos e na criação de um ambiente agradável durante o isolamento. Os princípios orientadores são os da comunicação activa. Nos doentes com dificuldade respiratória aguda, ansiedade extrema e dificuldade em se expressarem, com experiências de quase morte, pânico e desespero, a intervenção passa por acalmar o que fortalece o tratamento da doença primária e reduz os sintomas. Os princípios aqui são acalmar, estar atento à comunicação emocional e melhorar a confiança no tratamento. Os doentes que ficam em casa com quadros pouco graves ou intermédios costumam apresentar-se com reacções de pânico, inquietação, solidão, desamparo, depressão, pessimismo, raiva, nervosismo e stress por se verem afastados de outras pessoas, mágoa, vergonha ou desrespeito à doença. Nestes, a intervenção deve passar por ajudar os pacientes a perceber a doença, incentivar a cooperação activa com as medidas de tratamento e isolamento, promover uma dieta saudável e o equilíbrio entre trabalho e descanso apelando a comportamentos relaxantes, como ler, ouvir música e comunicar usando os métodos de comunicação à distância. A ajuda deve centrar-se na aceitação do isolamento e na procura dos aspectos positivos na adversidade. Os princípios orientadores são a educação para a saúde, o incentivar a cooperação e a adaptação à mudança. Nos casos suspeitos a apresentação típica flutua entre o evitar o tratamento, o medo de ser discriminado, a ansiedade ou a procura por tratamento feita de uma maneira excessiva. Deve fornecer-se educação para a saúde e providenciar uma observação atenta e um tratamento precoce. Os princípios aqui são fornecer as normas correctas de autoprotecção e reduzir o stress

Nos profissionais de saúde a apresentação é normalmente feita com queixas de fadiga e tensão excessivas, exaustão, ansiedade, insónia, depressão, tristeza, mágoa, desamparo, frustração ou culpa perante a morte dum paciente. Também o medo de ser infectado, a preocupação com os membros da família, a excitação excessiva e a recusa do descanso. O treino de intervenções em crise do terapeuta é essencial nestas situações, bem como conhecer as respostas ao stress e assegurar uma correcta regulação emocional. O trabalho passa por eliminar as preocupações dos trabalhadores da linha da frente, providenciar apoio logístico, defender horários razoáveis e aconselhar a mudança para residências perto dos locais de trabalho. Sempre que possível incentivar os contactos com a família e com o mundo exterior. Os princípios orientadores são a promoção da auto-regulação, da rotatividade do trabalho e do aviso para um pedido de ajuda especializado se a situação se agravar. 

Nos que estão em contacto próximo com um doente, como familiares, colegas ou amigos as apresentações típicas são a inquietação, ansiedade durante o período de espera do diagnóstico ou a recusa cega do dever de se protegerem. As intervenções devem focar-se na educação e informação, no incentivo ao enfrentamento da realidade e na cooperação fazendo uma divulgação simples de informações na tentativa de desfazer a tensão. O conforto e o incentivo à comunicação são os princípios orientadores desta intervenção. Os doentes que recusam tratamento costumam apresentarmedo de ser diagnosticados e isolados, falta de consciência, negligência e ansiedade. A intervenção passa por informar sobre a epidemia no sentido de eliminar o medo, defender que procurar tratamento médico atempado beneficiará outras pessoas, eliminar a vergonha pública e promover a prevenção de acordo com as evidências científicas. Os princípios orientadores são os de explicar e persuadir, sem criticar e fornecer apoio aos que procuram tratamentos médicos. No público em geral as manifestações típicas são o pânico, o medo de sair, a desinfecção excessiva, decepção, medo, irritabilidade, comportamentos agressivos, optimismo extremo ou então o pessimismo. As intervenções devem fornecer informações confiáveis, bem como sobre os métodos de controlo da doença e os serviços médicos disponíveis. É essencial garantir a comunicação e fornecer orientações sobre a maneira se adaptarem às mudanças e alertar sobre métodos de enfrentamento pouco saudáveis como beber ou fumar. A educação para a saúde deve ser feita para que o público em geral saiba identificar os sintomas. Os princípios orientadores desta intervenção são os da educação para a saúde, do reforço positivo e da eliminação do medo centrados na prevenção baseada em evidências científicas.

Investigação

A pandemia não abrandou a investigação, mas mudou o seu curso que se passou a fazer preferencialmente online. A COVID-19 suscitou um grande interesse dos investigadores chineses e a 30 de Janeiro de 2020 tinham sido já publicados 54 trabalhos académicos em revistas científicas internacionais em língua inglesa (Xiang et al., 2020). Liu et al. (2020) referem que no inicio de Fevereiro de 2020 estavam em curso 72 estudos de investigação usando recursos online e visando populações diferentes incluindo equipes médicas (23 estudos), pacientes com COVID-19 (1 estudo), estudantes (18 estudos), população em geral (9 estudos) e populações mistas (21 estudos). Na província de Hubei (5 estudos) noutras províncias (15 estudos), nos municípios e regiões autónomas (36 estudos) e em áreas não especificadas da China (16 estudos). As equipes de pesquisa clínica desenvolvem laços estreitos com os seus participantes que podem ser aproveitados para fornecer uma conexão, quando o isolamento é generalizado ajudando a mitigar a solidão. Nicol et al. (2020) discutem o papel dos investigadores na pandemia e defendem o uso de plataformas de pesquisa clínica, aplicando abordagens inovadoras capazes de criar um plano de acção na comunidade. Os investigadores clínicos podem desempenhar um papel especial durante a pandemia uma vez que são uma fonte de informação confiável e precisa junto dos participantes nos estudos. São também especialistas na interpretação e comunicação de novas evidências e pioneiros na criação de novas maneiras de prestar assistência. Afinal eles precisam de comunicar e compartilhar com outros investigadores e clínicos, próximos e distantes, o que funciona e o que não funciona e têm a obrigação de registar a pandemia e seus efeitos. Estes dados fornecerão a base para novas directrizes sobre como conduzir a investigação em tempos de crise. 

Medidas comunitárias

Especialistas dum Hospital Universitário de Pequim fizeram seis sugestões ao público para lidar com o stress mental que passavam por avaliar com precisão as informações divulgadas, melhorar os seus sistemas de apoio social por exemplo junto das famílias e amigos, eliminar o estigma associado à epidemia, manter uma vida normal em segurança e utilizar os sistemas de apoio psicossocial, particularmente os baseados em linhas telefónicas e online (Bao et al., 2020). O desafio que se coloca é desenvolver serviços de saúde mental num contexto de isolamento do paciente, com destaque para o papel da assistência à distância através da videoconferência, correio electrónico, telefone ou aplicativos para telefones inteligentes. A prestação de apoio em saúde mental (especialmente através dos cuidados de saúde à distância) provavelmente ajudará os pacientes manterem o seu bem-estar psicológico e a lidar com problemas agudos de saúde e com a convalescença de uma forma mais favorável. Os exemplos e evidências dos benefícios e a eficácia do apoio em saúde mental à distância são muitos e diversos, especialmente no contexto de depressão, ansiedade e PSPT. A videoconferência, os fóruns online, aplicativos para telefones inteligentes, mensagens de texto e o correio electrónico demonstraram ser ferramentas de comunicação úteis para a prestação de cuidados de saúde mental (Zhou et al., 2020).

Informações actualizadas e precisas sobre a situação da doença, principalmente sobre o número de indivíduos recuperados, foram associadas a menores níveis de stress na comunidade (Wang et al., 2020). Para os decisores é importante desenvolver uma política e um procedimento consistentes de relatar os últimos casos confirmados, o número de mortes recentes e outros dados sobre a situação epidémica e permitir que as pessoas entendam os dados correctamente para reduzir o excesso de stress provocado por uma percepção inadequada. Expandir a consciencialização pública do progresso contínuo das medidas tomadas pode diminuir a indignação. É fundamental estabelecer um serviço médico capaz de tratar a doença e informar as pessoas sobre o acesso atempado a estes serviços. Garantir o acesso atempado aumenta a sensação de controlo evitando uma percepção de risco social excessiva. Fornecer mais serviços de entretenimento em casa pode melhorar a qualidade de vida. As pessoas estão mais dispostas a cooperar quando os requisitos de vida e de entretenimento estão assegurados. Os médicos devem promover a cooperação e troca de informações entre eles. Os consultores psicológicos devem captar as informações da epidemia e a fazer a sua divulgação de uma forma correcta durante o aconselhamento. Os assistentes sociais podem ajudar a resolver problemas práticos da vida. Todas estas acções executadas de forma concertada melhoraram o sentido de estabilidade e aliviam a ansiedade e a depressão. O aconselhamento por linha directa e a consultadoria online devem ser aplicados na prática (Li et al., 2020) mesmo se necessário com voluntários, que recebam treino em apoio psicológico e comunicação de orientações, através do telefone, de forma a ajudar as pessoas a enfrentar os problemas de saúde mental resultantes da epidemia (Kang et al.,2020).

 

DISCUSSÃO

As epidemias colocam enormes desafios aos sistemas de saúde. A saúde mental, também é inevitavelmente abalada, como ficou demonstrado pela investigação desenvolvida em epidemias anteriores. As respostas no campo da saúde mental devem ser incluída na resposta de emergência do sistema de saúde pública, porque só dessa forma se pode assegurar o bem-estar das populações e da comunidade. A maioria dos autores defende uma resposta planeada e coordenada, desenhada segundo grupos populacionais bem definidos, porque uma epidemia não afecta a todos de igual forma. Uma comunicação credível das autoridades de saúde, fornecida de uma maneira acessível e adequada aos diferentes destinatários pode ser uma forma de minorar os impactos negativos causados pelo excesso de informação veiculada pela comunicação social. As novas tecnologias de comunicação são ferramentas essenciais na intervenção nesta pandemia de COVID-19. Com elas e através de diversos meios, quase tudo pode ser feito, desde o planeamento e educação para a saúde até à investigação, ao debate científico e troca de informações entre profissionais. Os cuidados de saúde à distância utilizando o clássico telefone ou abordagens mais diversificados no online asseguram um seguimento próximo de todos que necessitam de cuidados e têm-se mostrado particularmente eficazes nos problemas de saúde mental decorrentes da pandemia. No entanto as intervenções exigem adaptação dos profissionais, das técnicas de intervenção e de uma coordenação da resposta de forma a serem verdadeiramente eficazes. Uma atenção especial deve ser dada a grupos de maior risco como são por exemplo os trabalhadores de saúde na linha da frente, especialmente às mulheres. O treino de métodos de controlo da infecção e o fornecimento dos equipamentos necessários de protecção, assim como o combate à exaustão são essenciais para diminuir os impactos negativos que inevitavelmente se manifestam nos trabalhadores da saúde. As comunidades migrantes devem ter uma atenção especial devido à sua maior vulnerabilidade a situações de epidemia. Os idosos necessitam de cuidados especiais uma vez que são mais vulneráveis a medidas como as do isolamento social. Os doentes psiquiátricos, devem merecer também uma resposta que atenda às suas especificidades e um especial cuidado deve ser posto na preparação das situações de internamento e na monitorização dos que se encontram estáveis em ambulatório, assegurando sempre as suas necessidades em medicamentos. Não pode ser esquecida a prevenção do suicídio que deve passar por uma intervenção activa junto dos grupos em maior risco. Só uma resposta coordenada, integrada dentro do sistema de saúde, bem desenhada em termos de intervenção, respeitando as especificidades das populações e dos diferentes grupos poderá ajudar todos a ultrapassarem a pandemia de uma forma o mais saudável e menos dolorosa possível.     

 

REFERÊNCIAS

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