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COVID-19 e desigualdades em saúde: Uma revisão da evidência, por José Antunes

21 de julho de 2020

Centro de Respostas Integradas de Lisboa Ocidental – Equipe de Tratamento do Eixo Oeiras – Cascais,
Divisão de Intervenção em Comportamentos Aditivos e Dependências, Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, IP.
Lisboa, Portugal. E-mail: setuan59@hotmail.com

RESUMO: A pandemia de COVID-19 está a provocar impactos profundos na vida das pessoas e a obrigar os governos a lidarem com a enorme pressão que esta coloca não só sobre os serviços de saúde mas sobretudo sobre a economia e a sociedade. As epidemias anteriores ensinaram que o seu impacto é muito variado, atingindo com particular intensidade os grupos sociais mais desfavorecidos e marginalizados. Fez-se uma pesquisa na literatura biomédica dos trabalhos publicados até finais de Maio de 2020 sobre COVID-19 e desigualdades económicas e sociais. Os resultados apontam para o papel central das determinantes sociais da saúde enquanto geradoras de desigualdade no que respeita à doença e às suas consequências. São discutidas as questões de género, a exclusão social e as minorias, a problemática do confinamento e da infoexclusão, a parentalidade e as crianças, os grupos especiais como são os doentes mentais e a desigualdade entre países. As políticas públicas, podem contribuir para minorar o sofrimento causado junto dos mais desfavorecidos e ajudar na prevenção das sequelas da pandemia, uma vez que elas condicionam a maior parte das determinantes sociais da saúde.

Palavras-chave: COVID-19, Desigualdades, Determinantes sociais de saúde, Revisão 

ABSTRACT: The COVID-19 pandemic is having a profound impact on people’s lives and forcing governments to deal with the enormous pressure it places, not only on health services but above all on the economy and society. Previous epidemics have taught that their impact is very unequal affecting particularly the most disadvantaged and marginalized social groups. A search was made in the biomedical literature of the works published until the end of May 2020 on COVID-19 and economic and social inequalities. The results point to the central role of social determinants of health as generators of inequality in terms of the disease and its consequences. Gender issues, social exclusion and minorities, the problem of confinement and info-exclusion, concerns about parenting and children, special groups such as the mentally ill and inequality between countries are discussed. Criterious public policies can contribute to lessen the suffering caused to the most disadvantaged and help prevent the consequences of the pandemic, since they condition most of the social determinants of health.

Keywords: COVID-19, Inequalities, Social determinants of health, Review

O novo coronavírus denominado SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) agente da COVID-19 (do inglês coronavirus disease of 2019) surgiu nos finais de 2019 e espalhou-se rapidamente levando a Organização Mundial da Saúde (OMS) a declarar a doença, como pandemia em 11 de Março de 2020. Os governos e autoridades sanitárias de todo o Mundo tiveram então de se adaptar rapidamente para responder à transmissão do vírus e prestar assistência aos muitos que foram sendo infectados (Riley, Sully, Ahmed, Biddlecom, 2020). A 18 de Março de 2020 a OMS contabilizava já 207.860 casos de infecção e 8657 mortes atribuíveis ao vírus em 166 países. Não existem dúvidas que a pandemia representa uma tremenda ameaça à saúde pública global. A doença e o pânico associado são também um alerta para a forma profundamente interconectada de funcionamento do mundo moderno (Chattu &Yaya 2020). Sendo muito limitadas as evidências relativamente a medicamentos ou estratégias de tratamento eficazes e sem nenhuma vacina disponível, a actual resposta baseia-se nos esforços gerais de mitigação da COVID-19, na testagem e na assistência médica para diminuir a disseminação do vírus e reduzir tanto quanto possível o número de mortes (Sanchez, Zlotorzynska, Rai, & Baral, 2020).

Os melhores dados disponíveis sobre as taxas de infecção e mortalidade da COVID-19 sugerem que há uma variação substancial do impacto da doença, não apenas entre países, regiões e localidades mas também no seu interior (Lynch, 2020). É bem conhecido que determinantes sociais como a pobreza, os bairros segregados, o acesso precário a alimentos saudáveis, baixo nível educacional e elevado desemprego afectam adversamente a saúde, aumentando o risco de certas doenças como sejam as doenças cardiovasculares, a diabetes, a asma e agora a COVID-19 (Krouse, 2020). A presente pandemia veio iluminar as desigualdades já previamente existentes que colocaram os pobres, tanto dos países ricos quanto dos países de menores recursos, em grande risco de sofrimento (Braun, Zamagni, & Sorondo, 2020). Independentemente da sua magnitude ou duração, os impactos da pandemia serão sentidos com maior intensidade nos grupos desfavorecidos e negligenciados, incluindo crianças e adolescentes, dependentes da ajuda humanitária, minorias sexuais, pessoas que sofrem violência de género, seropositivos para o Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH), populações prisionais, indivíduos com deficiência e pessoas de menor nível socioeconómico (Riley et al., 2020). 

A humanidade em termos históricos já foi testemunha de diversas pandemias no entanto esta é diferente pelo menos por duas razões. Por um lado, por ter colocado biliões de pessoas em confinamento com uma magnitude e um impacto sem precedentes em termos históricos e por outro, porque existe uma diferença fundamental entre este confinamento forçado e as antigas quarentenas, que passa pela esmagadora presença da tecnologia. No entanto as desigualdades digitais estão a colocar as pessoas mais desfavorecidas em termos sociais e económicos não só em maior risco relativamente ao vírus mas sobretudo às imensas consequências socioeconómicas da pandemia. (Beaunoyer, Dupéré & Guitton, 2020). As perdas financeiras podem ser um problema grave durante uma quarentena. Pessoas de famílias com baixos rendimentos necessitam de níveis adicionais de apoio, assim como aqueles que perderam rendimentos durante a quarentena (Brooks, Webster, Smith, Woodland, Wessely, Greenberg, & Rubin, 2020).

Além dos efeitos imediatos na saúde das populações mais vulneráveis, a epidemia irá inevitavelmente ter efeitos a longo prazo e impactos socioeconómicos sobre as pessoas e as comunidades. A subsistência dos grupos vulneráveis que vivem em áreas carenciadas é substancialmente afectada por uma epidemia e a diminuição dos rendimentos irá ter seguramente efeitos sobre a sua saúde no futuro (Wang & Tang, 2020). Os epidemiologistas sociais e os especialistas em políticas de saúde perceberam há muito tempo que, as políticas sociais podem contribuir para a equidade em saúde, reduzindo as desigualdades na distribuição dos determinantes sociais da saúde. Será deveras importante usar o que sabemos sobre as relações entre políticas sociais, equidade em saúde e saúde da população em geral, para mitigar os efeitos da pandemia a curto prazo, incentivar uma saída equitativa da mesma a médio prazo e preparar o terreno para futuras pandemias (Lynch, 2020) na certeza de que um dos maiores desafios depois de ultrapassada a presente pandemia será lidar com as suas sequelas (Fegert, Vitiello, Plener, & Clemens, 2020). A História irá mostrar se os esforços sem precedentes para conter a pandemia de COVID-19 foram bem-sucedidos ou se outras opções alternativas teriam sido mais adequadas. Os poderes públicos e a comunidade devem exigir um exame cuidadoso dos benefícios inerentes às escolhas políticas tomadas (Daeho & Neumann, 2020).

MÉTODO

Foi realizada uma pesquisa na PubMed, que é um mecanismo de busca para acesso gratuito à base de dados MEDLINE de citações e resumos da investigação biomédica, desenvolvida pela National Library of Medicine (NLM), utilizando os termos MeSH: COVID-19 e Economic Social Inequality seleccionando os artigos publicadas até ao dia 30 de Maio de 2020, com o objectivo de estudar as desigualdades económicas e sociais face à actual pandemia. Para a estruturação desta análise aplicou-se o modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses) considerado como indispensável para elaborar uma revisão sistemática ou meta-análise (Liberati et al., 2009). Os critérios de inclusão foram: serem artigos sobre COVID-19 e desigualdades económicas e sociais redigidos em língua inglesa. Foram critérios de exclusão: artigos duplicados, artigos escritos em outras línguas que não a inglesa, artigos baseados em casos clínicos e artigos não concordantes com o objectivo da revisão.

RESULTADOS

A pesquisa efectuada resultou na identificação de 29 artigos dos quais se seleccionaram 25 que respeitavam todos os critérios de inclusão e de exclusão definidos.

Determinantes da saúde

As políticas sociais que reduzem as desigualdades na distribuição de uma variedade de determinantes sociais da saúde, desde o acesso aos cuidados médicos, redes de transporte, segurança no local de trabalho até à protecção dos rendimentos, moldam uma ampla variedade de resultados em saúde. Os resultados de saúde desiguais para grupos definidos pelo nível socioeconómico, raça ou etnia e género, entre outros, resultam destes grupos terem diferentes determinantes sociais e diferentes factores causais na origem. Isto ocorre porque as determinantes sociais modelam a exposição ao risco ou aos factores de protecção e determinam os efeitos dessas exposições na saúde. A COVID-19 não é uma excepção (Lynch, 2020). As epidemias anteriores já tinham ensinado que as pessoas economicamente mais desfavorecidas correm maior risco de contrair a doença. As evidências que crescem diariamente, sobre o impacto da pandemia da COVID-19 nas desigualdades sociais de saúde, mostram como já estão sendo mais afectadas pela crise mulheres, idosos, populações desabrigadas e famílias de baixos rendimentos. De fato, estas pessoas social e economicamente desfavorecidas, são também as que apresentam maior risco de sofrerem de doenças crónicas e as que enfrentam maiores barreiras no acesso aos cuidados de saúde (Beaunoyer et al., 2020).

Actualmente é amplamente reconhecido que a saúde – aos níveis individual, comunitário e populacional – é o resultado de muito mais que o acesso a cuidados de saúde de qualidade. Os principais factores que influenciam a saúde são factores socioeconómicos, ambientais e comportamentais que se manifestam nos diversos patamares da sociedade. As disparidades baseadas no posicionamento social apresentam-se nas doenças infecciosas a três níveis: na exposição ao vírus, na susceptibilidade à doença e se exposto no tratamento oportuno e eficaz, depois da doença se desenvolver. Os principais contribuintes para as disparidades incluem factores ocupacionais, aglomeração de famílias, estado nutricional, stress, acesso a cuidados de saúde e disponibilidade de medicamentos. O modelo socioecológico da saúde das populações e do desenvolvimento humano inclui cinco níveis nos quais os processos sociais produzem desigualdades em saúde. O modelo inclui factores intrapessoais, interpessoais, institucionais, comunitários e de sistema ou macro. Todos os níveis são incorporados e influenciados pelos níveis acima no modelo e criam tipos específicos de distribuição das desigualdades em saúde. Todos os níveis do modelo oferecem oportunidades de intervenção, embora sejam os factores de nível mais elevado do sistema ou seja os de nível macro que moldam a comunidade e as instituições e que por sua vez criam resultados desiguais de saúde ao nível individual (Alberti, Lantz, & Wilkins, 2020). Por exemplo na China, as cidades com maior Produto Interno Bruto (PIB) per capita tiveram maiores taxas de transmissão, o que parece ter-se ficado a dever ao maior número de interacções sociais relacionadas com o volume de negócios e as actividades comerciais (Qiu, Chen, & Shi, 2020) e na fase inicial da epidemia entre 19 de Janeiro e 1 de Fevereiro verificou-se que as cidades com mais recursos médicos, medidos pelo número de médicos por habitante, tiveram menores taxas de transmissão da COVID-19 embora estas diferenças se tenham tornado insignificantes depois das grandes medidas de saúde pública terem sido implementadas (Fan et al., 2020)

Os grandes ganhos em saúde costumam vir de políticas públicas que reduzem a desigualdade de rendimentos. As políticas sociais e as relativas ao mercado de trabalho que têm como objectivo reduzir os níveis elevados de pobreza e de desigualdade reduzem igualmente a morbilidade e a mortalidade, tanto absoluta quanto relativa, associadas ao baixo nível socioeconómico. As políticas sociais moldam a estratificação socioeconómica, que por sua vez condiciona a exposição a factores de protecção e de risco, afectando assim os resultados de saúde (Lynch, 2020). Políticas que igualizam a distribuição dos determinantes sociais da saúde e promovem a solidariedade social melhoram a saúde da população e o próprio desempenho económico e irão permitir enfrentar melhor futuras pandemias (Huberfeld, Gordon, & Jones, 2020).

As pessoas com condições preexistentes, como diabetes, doenças cardiovasculares, obesidade e asma, são as mais propensas a ficar gravemente doentes ou a morrer de COVID-19. No entanto estas doenças não estão distribuídas aleatoriamente na sociedade. O forte gradiente social e as disparidades raciais e étnicas que se cruzam nesses tipos de condições crónicas contribuem para que as minorias e as pessoas de mais baixos rendimentos apareçam mais representadas na contagem de infecções e mortes por COVID-19. Também a exposição ao contágio foi muito maior entre as pessoas que trabalhavam em empregos considerados essenciais como é o caso dos trabalhadores de supermercados, auxiliares de acção médica, motoristas, trabalhadores da higiene urbana e da limpeza, funcionários de pequenos comércios alimentares e trabalhadores das redes de frio que estão entre os trabalhadores mais mal pagos da sociedade e são desproporcionalmente ocupados por mulheres e membros de minorias que não apenas precisam de ir trabalhar, mas também estão mais desfavorecidos no que respeita ao acesso a equipamentos de protecção individual comparativamente com os gestores e colegas de trabalho de estatuto mais elevado. Sem surpresa, as taxas de infecção e mortalidade nos Estados Unidos da América (EUA) foram particularmente mais altas nestes grupos de trabalhadores (Lynch, 2020). Por outro lado, muitas das actividades que permitem o teletrabalho são ocupações profissionais de administração e direcção cujos profissionais têm uma boa protecção na saúde e salários mais elevados (Kantamneni, 2020).

As pessoas cujos Direitos Humanos estão menos protegidos são as que têm tendência a sofrer maiores dificuldades com a pandemia. Muito provavelmente as mulheres e os grupos marginalizados irão também sofrer no futuro, em termos económicos e sociais, os seus efeitos mais devastadores (Hall et al., 2020). Hang e Tang (2020) sugerem que no futuro se incluam as ciências sociais na investigação, quando se proceder à «autópsia social» do surto de COVID-19.

Confinamento, quarentena e distanciamento social

Quarentena é a separação e restrição de movimentos de pessoas que foram potencialmente expostas a uma doença contagiosa para verificar se estão doentes, reduzindo assim o risco de virem a infectar outras pessoas. Esta definição difere de isolamento, que é a separação das pessoas que foram diagnosticadas com uma doença contagiosa de pessoas que não estão doentes. No entanto, os dois termos são usados de forma quase semelhante especialmente na comunicação com o público. A quarentena é frequentemente uma experiência desagradável para aqueles que passam por ela. A separação dos entes queridos, a perda de liberdade, a incerteza sobre o status da doença e o tédio podem ocasionalmente, criar efeitos dramáticos. A maioria dos efeitos adversos advém da imposição de uma restrição à liberdade. A quarentena voluntária provoca menos sofrimento e menos complicações a longo prazo. Mas o impacto da quarentena é abrangente, substancial e pode ser duradouro. Quarentenas longas desencadeiam maiores problemas (Brooks et al., 2020).

Além da pressão económica, a quarentena pode afectar significativamente a saúde mental (Fergert et al., 2020). Estudos anteriores mostraram que pessoas com história de doença mental têm um aumento do sofrimento psicológico após traumas relacionado com desastres sendo provável que pessoas com problemas de saúde mental pré-existentes precisem de um suporte extra durante o período de quarentena. As perdas financeiras também podem ser um problema grave durante uma quarentena, com as pessoas interrompendo as suas actividades profissionais sem um planeamento adequado. Estas perdas financeiras resultantes da quarentena criam graves problemas socioeconómico e são factores de risco para perturbações psicológicos, raiva e ansiedade que se podem prolongar por vários meses após a quarentena. Pessoas em quarentena de famílias com baixos rendimentos podem exigir maiores níveis de apoio assim como aqueles que perdem rendimentos durante a quarentena, como por exemplo, os trabalhadores independentes que não conseguem trabalhar, ou assalariados que não podem tirar férias remuneradas. Sempre que possível devem ser criados programas especiais capazes de fornecer apoio financeiro durante o período de quarentena (Brooks et al., 2020). 

O confinamento, ou seja o ficar em casa, diminui significativamente a taxa de transmissão das doenças contagiosas e esta medida de saúde pública reduz substancialmente o número de infecções. A literatura sobre os determinantes da propagação de doenças infecciosas e prevenção da sua disseminação mostra que as reduções dos fluxos populacionais e dos contactos interpessoais podem mitigar a propagação. Os movimentos populacionais explicam melhor os efeitos do contágio do que a proximidade geográfica (Fan et al., 2020). A maioria dos autores não contesta as medidas de confinamento no entanto Thomas (2020) coloca-se abertamente contra e alerta para as consequências catastróficas para os mais pobres, resultantes da quebra da actividade económica, considerando que a destruição de empregos e dos meios subsistência terá efeitos que se estenderão por muitos anos.  

O isolamento, as restrições de contactos e a paralisação económica impuseram uma mudança completa do ambiente psicossocial nos países afectados (Fegert et al., 2020) e essas mudanças na sociedade devido a medidas como o distanciamento social, tornaram notórias as desigualdades no acesso ao trabalho digno e tornaram visível a discriminação das populações mais vulneráveis como por exemplo, as minorias raciais e étnicas, os indivíduos de baixo nível socioeconómico e as mulheres que sofreram um impacto muito maior nos seus rendimentos relacionados com o trabalho. Alguns dos sectores de actividade mais atingidos pelas medidas de distanciamento social impostas pela pandemia são os bares e restaurantes, viagens e transportes, entretenimento, trabalho doméstico e certos tipos de comércio e manufactura que são maioritariamente desempenhados por mulheres ou por minorias étnicas, grupos onde o desemprego sempre foi maior. As medidas de distanciamento social vieram exacerbar o desemprego e a precariedade nas minorias étnicas e nas pessoas com mais baixos rendimentos nos EUA. Os trabalhadores com maior probabilidade de serem afectados pelo desemprego devido à COVID-19 são os menos instruídos, os com menos recursos económicos e os de menores rendimentos ou seja, os mais vulneráveis da população (Kantamneni, 2020). 

Os estudos sugerem que existe uma grande proporção de casos assintomáticos ou com sintomas ligeiros que podem espalhar o vírus. Assim, manter a distância social é de importância crucial para reduzir a transmissão local do vírus (Qiu e tal., 2020). No entanto o distanciamento social é difícil de alcançar quando a cidade não possui uma estrutura de transportes públicos adequada. É difícil fazer o distanciamento quando o espaço de trabalho é limitado e quando se teme as consequências de se assumir como doente. Ou quando se vive em casas pequenas e famílias multigeracionais. Sem esquecer os sem abrigo com COVID-19 não podem ficar em quarentena no seu apartamento esperando que a doença melhore. As recomendações de saúde pública não abordam as especificidades que as pessoas enfrentam no dia-a-dia (Blanchard et al., 2020). A COVID-19 e as mudanças na sociedade devido a medidas como o distanciamento social, tornaram notórias as desigualdades no acesso ao trabalho digno e a discriminação das populações mais vulneráveis como por exemplo, as minorias raciais e étnicas, os indivíduos de baixo nível socioeconómico e as mulheres que sofreram um impacto muito maior nos rendimentos relacionados com o trabalho (Kantameni, 2020). As medidas de distanciamento social podem exacerbar ainda mais as desigualdades socioeconómicas pré-existentes pelo que é essencial implementar políticas de protecção social enquanto durar a pandemia, sobretudo junto dos trabalhadores informais com poucos apoios sociais ou sem segurança no emprego. Um grupo particularmente relevante é o das famílias com crianças que subsistem na economia informal, pois não possuem as redes de segurança social disponíveis para as pessoas do sector com emprego formal (Vilar-Compte, Pérez, Teruel, Alonso, & Pérez-Escamilla, 2020). 

Discriminação e exclusão social 

He, He, Zhou, Nie e He (2020) estudaram a discriminação contra chineses residentes fora da China e relativamente a cidadãos de Whuan e da província de Hubei dentro da própria China tendo verificado que a exclusão social foi aumentando à medida que aumentavam o número de casos confirmados de COVID-19. Surpreendentemente as pessoas que sofreram maior discriminação residiam em países ricos. As mulheres, os jovens e aqueles com menor instrução são os mais propensos a sofrer discriminação e até episódios de violência enquanto pessoas com o estatuto de residente permanente são menos propensos a relatar este tipo de experiências. A discriminação e exclusão social podem conduzir a resultados desastrosos quando se pretendem combater doenças infecciosas uma vez que podem minar os esforços para identificar, isolar e conter a transmissão do vírus. Além disso, o estigma social reduz a probabilidade de os excluídos procurarem ajuda, impedindo o acesso a tratamentos médicos na fase inicial da doença. Os autores acabam concluindo que a inclusão deve ser promovida através de políticas activas e difundida através dos meios de comunicação social durante as emergências em saúde pública.

Também os participantes numa quarentena costumam relatar estigmatização e rejeição dos vizinhos nos seus bairros locais, sugerindo que há um estigma específico em torno de pessoas que foram colocadas em quarentena. Participantes em vários estudos relataram que os outros tratavam-nos de maneira diferente, evitando-os, retirando convites sociais, tratando-os com medo e desconfiança e fazendo frequentemente comentários críticos. Este estigma pode também levar à privação de direitos de certos grupos minoritários (Brooks et al., 2020).

O desafio digital

Com mais de três biliões de pessoas isoladas, os espaços digitais durante a pandemia passaram de uma comodidade para uma necessidade, uma vez que se tornaram não apenas o caminho principal para obter informações e serviços, mas também um dos vectores para as actividades económicas, educacionais e de lazer, assim como para as interacções sociais (Beaunoyer et al., 2020). Uma das mudanças mais notáveis que ocorreu em resultado da pandemia de Covid-19 foi a mudança para o teletrabalho, com muitos funcionários de variadas profissões a trabalharem a partir de em casa, incluindo um grande número de pessoas que tinham muito pouca experiência com este tipo de trabalho ou que prefeririam não trabalhar em casa, mas que foram forçadas a fazê-lo (Kramer & Kramer, 2020). As lacunas no acesso à tecnologia traduziram-se numa falta de oportunidades no ensino à distância e tornaram o teletrabalho inviável para milhões de trabalhadores, geralmente os de mais baixos rendimentos, quer pela natureza do seu trabalho, quer pela falta de acesso às infra-estruturas de comunicações (Braun et al., 2020).

Beaunoyer et al. (2020) discutem detalhadamente as consequências do desafio digital colocado pela pandemia. As desigualdades digitais já existiam mas a crise da COVID-19 exacerbou estas desigualdades de uma forma drástica, tornando-as num importante factor de vulnerabilidade até no que respeita ao próprio risco de exposição ao vírus. Das compras online ao teletrabalho e ao ensino a distância, as tecnologias também se estão tornando na principal ferramenta para lidar com as consequências económicas da crise. O acesso limitado às tecnologias digitais implica um acesso limitado a serviços, recursos e informações – e aos seus benefícios potenciais – e um padrão alterado de acesso aos outros determinantes da saúde. A crise da pandemia do COVID-19 tornou visível uma desigualdade social que antes estava oculta, a desigualdade digital. De facto, existem diferenças entre os indivíduos e os grupos sociais não só no acesso às tecnologias, mas também na capacidade de obter benefícios com o seu uso. Ora estas desigualdades não têm merecido a devida atenção por parte dos decisores políticos. As desigualdades digitais podem ser uma determinante da saúde e são uma forma de desigualdade social profundamente enraizadas no contexto socioeconómico. Não afectam apenas os mais idosos mas também os mais desfavorecidos em termos sociais e económicos. A infoexclusão tem consequências sobre determinantes da saúde, como são a educação, o trabalho e a possibilidade de aceder às redes de informação, que por sua vez contribuem também para uma limitação ao acesso e uso dessas mesmas tecnologias, num fenómeno conhecido como «ciclo vicioso digital». As desigualdades digitais representam assim um desafio para a saúde e o bem-estar da população que deve ser tratado como prioridade. Esta crise é um ponto de viragem na maneira como gerimos a saúde pública por inúmeras razões, uma das quais é, que a partir de agora, as políticas públicas de saúde não podem mais ignorar o impacto das desigualdades digitais.

Mulheres, género e desigualdade

As respostas às epidemias exacerbam ainda mais as disparidades de saúde baseadas no género (Riley et al., 2020). As normas socioculturais vigentes em muitos países impõem que sejam as mulheres a cuidar dos familiares doentes e das crianças o que as coloca em alto risco de infecção. As evidências de surtos anteriores mostram que as maiores taxas de infecção nas mulheres ficaram em grande parte a dever-se a práticas socioculturais (Chattu & Yaya, 2020). O exemplo dos conflitos de papéis ou entre múltiplos papéis da vida, como trabalho e família, são uma preocupação relevante no que se refere ao impacto diferencial da pandemia de COVID-19 nas mulheres. A gestão de múltiplos papeis é particularmente relevante para as mulheres, porque as mulheres continuam com mais responsabilidades domésticas e de cuidado quando comparadas com os homens. Com as escolas e outras actividades para crianças encerradas para facilitar o distanciamento social, os pais estão a ser chamados a continuar os seus trabalhos a tempo inteiro e a cuidar das crianças 24 horas por dia. Como as mulheres estão sempre mais ocupadas com os cuidados aos filhos e as responsabilidades domésticas, agora existe um peso acrescido que potencialmente aumenta os conflitos de papéis nas mulheres trabalhadoras. O stressacrescido para as mulheres que precisam de continuar a trabalhar quando creches, escolas e outros recursos comunitários não estão disponíveis é bem ilustrativo das desigualdades. Se o problema já é grande para quem trabalha a partir de casa ele é ainda maior para quem tem de sair e trabalhar no exterior. As mulheres podem sofrer de uma pressão acrescida durante a pandemia por terem de gerir múltiplos papéis (Kantamneni, 2020). As mulheres e também as minorias étnicas concentram-se por seu turno em profissões de mais baixas qualificações e serão assim mais vulneráveis aos efeitos da pandemia exacerbando-se ainda mais as desigualdades (Kramer & Kramer, 2020).

Riley et al. (2020) discutem os impactos da pandemia sobre a saúde da mulher na vertente da saúde sexual e reprodutiva referindo que as anteriores emergências em saúde pública ensinaram que o impacto sobre a saúde sexual e reprodutiva geralmente não é reconhecido, porque os efeitos verificados não são o resultado directo da infecção, mas antes as consequências indirectas dos sistemas de saúde sobre pressão, das interrupções no atendimento e do redireccionamento de recursos. A pandemia de COVID-19 já está a causar efeitos adversos na cadeia de abastecimento de produtos contraceptivos, interrompendo a fabricação dos principais componentes farmacêuticos destes produtos ou mesmo a fabricação dos dispositivos propriamente ditos, por exemplo, de preservativos e atrasando o seu transporte e distribuição. Além disto os equipamentos e as equipe envolvidas na prestação de serviços de saúde sexual e reprodutiva tendem a ser desviados para atender outras necessidades ou os profissionais podem estar relutantes em ir a unidades de saúde para prestar unicamente serviços de saúde sexual e reprodutiva.

Na mesma linha Chattu e Yaya (2020) referem uma análise recente divulgada pelo Instituto Guttmacher a propósito da pandemia de COVID-19 que antecipa uma possível escassez de medicamentos como os contraceptivos, os anti-retrovirais para o VIH e antibióticos para tratar Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) devido à interrupção das cadeias de abastecimento provenientes da China e da Índia. Os autores acabam advertindo para o perigo de as mulheres poderem ficar em grande desvantagem devido aos serviços redefinirem prioridades, deixando para trás a saúde da mulher como se verificou noutras emergências de saúde pública. 

Parentalidade e infância 

Segundo as estimativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) cerca de 1.38 biliões de crianças terão ficado fora da escola ou da creche, sem acesso a actividades de grupo ou a desportos colectivos. Os pais e cuidadores encontravam-se a trabalhar a partir de casa ou ficaram incapazes de trabalhar para cuidarem das crianças. Aqueles que vivem em famílias numerosas e com baixos rendimentos enfrentam este desafio de uma forma ainda mais exacerbada. As evidências mostram um aumento da violência e da vulnerabilidade das crianças durante períodos de encerramento escolar associados a emergências de saúde pública. As taxas de abuso infantil aumentam durante o encerramento das escolas. Os pais e as crianças vivenciam maiores níveis de stress e medo, que desafiam as suas capacidades de tolerância. O impacto económico da crise, por outro lado, intensifica ainda mais os problemas relacionados com a parentalidade, o abuso e a violência contra crianças (Cluver et al., 2020).

Nas crianças a ansiedade, a falta de contacto com os colegas bem como as oportunidades reduzidas de regulação do stresssão as questões mais preocupantes. Outra ameaça é o aumento do risco de doença mental dos pais, de violência doméstica e de maus-tratos às crianças. As recessões económicas e as suas consequências como o desemprego, baixa de rendimentos e dívidas incontroláveis estão significativamente associados a uma diminuição do bem-estar, aumento das taxas de incidência de várias perturbações mentais, problemas relacionados com o uso de substâncias psicoactivas e comportamentos suicidas que atingindo os adultos acabam influenciando a parentalidade e o também o risco de problemas de saúde mental nas crianças. A exposição das crianças à violência doméstica afecta a sua saúde mental e tem potencial para causar efeitos a longo prazo. O aumento da violência física, emocional e sexual foi documentado em períodos de recessão. Também as crianças e adolescentes com necessidades especiais, com deficiências, experiências traumáticas ou problemas de saúde mental já existentes, as de origens migrante e de baixo nível socioeconómico, podem estar a enfrentar um momento particularmente desafiador. Os riscos para a saúde mental associados à COVID-19 podem atingir com grande intensidade crianças e adolescentes desfavorecidos e marginalizados. Um dos maiores desafios depois de ultrapassada a pandemia será lidar com as suas sequelas (Fegert et al., 2020).

Populações psiquiátricas e saúde mental

Chevance et al. (2020) discutem a problemática da COVID-19 nas populações psiquiátricas. As populações psiquiátricas apresentam uma maior vulnerabilidade associada a comorbilidades, que são factores de risco graves de SARS-CoV-2, como a doença cardiovascular e a obesidade além da vulnerabilidade ligada à idade e de um modo geral têm uma menor capacidade de se defenderem de infecções. As pessoas com perturbações psiquiátricas graves podem ter dificuldades em adoptar medidas comportamentais para se protegerem a si e protegerem as outras pessoas do vírus, assim como de cumprirem as instruções de confinamento. Acresce ainda a vulnerabilidade psicossocial derivada das condições socioeconómica dos pacientes, que podem agravar o prognóstico aquando do confinamento. O isolamento social, a moradia precária e as restrições nas redes de solidariedade ganham um peso especial nestas populações. A diminuição do acesso destes pacientes aos cuidados de saúde alterou drasticamente a sua qualidade de vida, um fenómeno observado nas perturbações psiquiátricas graves em todo o Mundo. Os efeitos sobre as populações psiquiátricas na prisão são ainda maiores. Conhecidas são também as dificuldades no acesso destes doentes a serviços de internamento médico e cirúrgico quando não existem equipas de psiquiatria de ligação. Muitos doentes tiveram alta e foram devolvidos apressadamente à comunidade sem que fosse assegurado o seu regular seguimento com graves consequências. Os autores alertam para a necessidade de tomada de consciência da grande vulnerabilidade destas pessoas e da necessidade de se adaptar os cuidados de saúde psiquiátricos à nova realidade. Necessário é também assegurar uma cobertura efectiva dos cuidados de saúde mental à população em geral para evitar a perda de qualidade de vida devida ao stress psicológico causado pelos problemas sociais decorrentes da pandemia (Lynch, 2020).

Minorias sexuais

Sanchez et al. (2020) estudaram uma população de homossexuais masculinos dos EUA através de um inquérito onlineconcluindo que muitos deles estão a sofrer os impactos da COVID-19 em termos de bem-estar e dos seus recursos financeiros, o que não é inesperado atendendo aos amplos efeitos económicos e sociais da pandemia. Os impactos económicos da COVID-19 são mais sentidos nos jovens que têm empregos mais precários e informais. O processo de mitigação da COVID-19 poderá estar também a afectar o acesso aos serviços de controlo da infecção por VIH, aos tratamentos e a cuidados médicos. Muitos referiram igualmente dificuldades no acesso a testes de diagnóstico do VIH e das DST. Mais de um terço dos homossexuais masculinos nos EUA que são seropositivos para o VIH deixaram de ter o tratamento adequado e podem estar agora imuno-comprometidos apresentando um risco potencialmente acrescido para a COVID-19. Além dos possíveis impactos directos da COVID-19 nos recursos de saúde disponíveis foram relatadas modificações nos comportamentos sexuais e no uso de substâncias psicoactivas. Um décimo dos inquiridos referiu um aumento do consumo de drogas recreativas e cerca de um terço dos consumos de álcool. No entanto a maioria dos inquiridos mencionou uma redução nos parceiros e nas oportunidades de sexo devido à pandemia.

Países pobres 

Thomas (2020) relembra que na Índia, segundo dados do Banco Mundial, 659 milhões de pessoas, metade da população do país, são pobres e 176 milhões vivem em pobreza extrema sem que tenham sido tomadas medidas a pensar neles. Muitos perderam as condições de sobrevivência, não têm sistemas de segurança social e não conseguem praticar nem o distanciamento social, nem a higiene básica por falta de condições. Fortemente critico das políticas da OMS que considera apenas serem aplicáveis nos países abastados, manifesta-se abertamente contra o confinamento e a paragem da economia, por considerar que estas medidas irão agravar ainda mais a situação dos pobres e terão consequências devastadoras no seu futuro. Chama ainda a atenção para o facto do desvio de todos os recursos governamentais de assistência médica para o combate ao vírus, estar a cortar o pouco acesso que os pobres tinham ao tratamento das doenças que os afectam no dia-a-dia. Numa linha muito semelhante Animo, Lambert et Magit (2020) lembram que em África as actuais medidas para controlar a COVID-19 negligenciam importantes e complexas realidades epidemiológicas, sociais e económicas. As medidas actuais para controlar o COVID-19, podem criar dificuldades sem precedentes no acesso aos serviços de saúde essenciais nos segmentos mais vulneráveis da sociedade. Os autores prevêem dificuldades no fornecimento de medicamentos anti-retrovirais, às pessoas vivendo com VIH e Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), de tuberculostáticos e de tratamentos curativos e preventivos para malária, assim como dificuldades na assistência a mulheres grávidas e aos seus filhos. Uma situação que irá agravar ainda mais as desigualdades em saúde em muitos países.     

DISCUSSÃO

Além dos clássicos grupos de risco definidos para a COVID-19 com base nas suas condições médicas, importa prestar uma especial atenção a outros grupos especialmente vulneráveis por razões decorrentes da sua situação socioeconómica. Este é o tempo de olhar para os mais pobres, os mais expostos ao sofrimento decorrente da pandemia. Se há uma coisa que a pandemia fez, foi colocar à vista de todos, as profundas desigualdades que subsistem no interior das populações, das regiões e dos países. Desigualdades ligadas ao género e etnia, às condições de saúde, à exclusão social, à situação especial de ser criança ou de viver num país pobre, de ser refugiado, sem abrigo ou doente mental. Desigualdades no acesso às tecnologias que ganharam uma importância especial decorrente das quarentenas, do confinamento e do teletrabalho ou no acesso aos apoios sociais que não chegam a muitos trabalhadores precários ou a famílias que dependem do trabalho informal. Desigualdades entre países desenvolvidos e países pobres. Desigualdades que já existiam mas agora se tornaram particularmente evidentes.

As determinantes sociais da saúde estão relacionados com o ambiente e as condições em que as pessoas vivem e trabalham e ajudam a compreender não apenas o risco de infecção e o desfecho da doença, mas também as capacidades de enfrentar as dificuldades decorrentes das situações geradas em torno da pandemia como sejam as problemáticas ligadas ao confinamento ou à queda do emprego e da economia. O estado prévio de saúde, a prevalência de doença crónica, o tipo de trabalho e da deslocação para o mesmo, a moradia e o número de coabitantes, o nível educacional, o acesso às redes de informação e ao teletrabalho, os rendimentos, o género e etnia, todos factores que moldam a vulnerabilidade à doença, estão profundamente condicionados por determinantes sociais. As determinantes sociais modelam também a exposição ao risco ou aos factores de protecção e determinam os efeitos dessas exposições na saúde. O modelo socioecológico da saúde ensina que são os factores de nível mais elevado do sistema, ou seja os de nível macro, que mais moldam as comunidades e as instituições e que, por sua vez, criam os resultados desiguais de saúde ao nível individual. Ora estes dependem das decisões políticas. As políticas públicas podem ajudar a reduzir as desigualdades na distribuição das determinantes sociais da saúde contribuindo para uma maior equidade em saúde e para a modificação da morbilidade e da mortalidade associadas ao nível socioeconómico. Talvez seja esta a principal lição que os cientistas, epidemiologistas e investigadores terão de comunicar aos decisores políticos a propósito da presente pandemia.

Não existem dúvidas sobre a necessidade de dar uma especial atenção às determinantes sociais da saúde nas estratégias de combate à pandemia e às sequelas que ela inevitavelmente deixará prestando uma atenção alargada ao ambiente físico, económico e social onde as pessoas vivem e que condiciona fortemente a sua saúde. Só através de políticas públicas bem desenhadas e com forte pendor social se conseguirá atingir este objectivo. Sabe-se de anteriores epidemias que os grupos vulneráveis e carenciados são particularmente afectados e que muitas comunidades poderão apresentar sequelas que se irão fazer sentir ao longo de anos. Importa iniciar quanto antes a sua prevenção uma vez que os primeiros sinais já são evidentes. As comunidades devem por seu lado exigir uma avaliação das decisões políticas sobre o combate à pandemia e dos seus benefícios, tendo em conta que outras soluções alternativas poderiam ter sido implementadas. A História julgará as opções agora tomadas.   

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