Saúde Mental em tempos de COVID-19: Uma revisão da evidência já publicada, por José Antunes
Tem-se falado muito em alongar a curva, médicos e responsáveis políticos têm repetidamente falado este assunto. No entanto, baixar o coeficiente de contágio sem baixar o valor do número de crescimento da doença COVID-19 (conhecido por R0 entre os especialistas) para baixo de 1, o tal “alongar da curva” com medidas sérias e bem intencionadas mas sem o devido suporte nos modelos e hesitantes, é extremamente pernicioso para a economia e para o bem estar da população. Baseámos esta análise no modelo matemático introduzido em 1927 por Kermack e McKendrick (1927) com alterações devidas ao tipo particular desta doença.
Neste modelo temos numa população cinco variáveis: 1. os casos susceptíveis a infecção, não imunizados, 2. os casos expostos não contagiosos, no estágio inicial do período de incubação, 3. os doentes infectados em fase de contágio, 4. os doentes a recuperar numa fase não contagiosa e 5. os casos de morte.
I. Se não tomarmos medidas, com este crescimento inicial, teremos um pico de 2 milhões a 13 de Maio. Haverá muitos mortos sobretudo nas camadas mais idosas, cujo número não apontamos para evitar criar alarmismos. Não há imunidade de grupo (o seu valor será insignificante). Não haverá ventiladores para a esmagadora maioria dos doentes críticos. Teremos uma sobrecarga para o SNS impossível de controlar, a maioria dos doentes ligeiros não terá qualquer tratamento, as linhas de telefone saúde 24 não terão qualquer hipótese de resposta e apenas um número insignificante de chamadas terá resposta. Os profissionais de saúde terão de trabalhar como numa guerra ou numa catástrofe de grandes dimensões durante cerca de um mês.II. Se “achatarmos a curva” sem baixar o R0 abaixo de 1, de forma hesitante, teremos o pico daqui seis meses, será na ordem dos seiscentos mil doentes, teremos uma imunidade de grupo a raiar os 20% o que significa que esta parte da população não terá a doença. Teremos uma sobrecarga muito grande para o sistema de saúde, durante mais tempo, o pico será muito alongado. Os doentes críticos que, acumulados (em virtude do facto de o seu tratamento ser muito longo), podem atingir os 60.000, não terão ventiladores. O stress sobre o SNS será enorme mas durante muitíssimo mais tempo. Com seiscentos mil casos no pico, que durará mais tempo do que no primeiro cenário, o pessoal de saúde entrará em burnout. O pico poderia alongar-se entre Setembro e Novembro ou mesmo mais tempo. Os efeitos do medo e das medidas de contenção arrasarão totalmente a economia, só depois do Natal sairíamos do ordálio com um número intolerável de mortos, mas inferior em 40% ao do modelo anterior.
III – Morrer na praia, conseguir alongar o pico para daqui a um ano ou um ano e meio sem matar a doença. Teríamos um pico de 100.000 casos, a imunidade de grupo rondaria os 40%, o stress para o SNS seria relativamente controlável, mas muito elevado ainda assim e duraria mais de seis meses. Haveria tempo para ter 5000 ventiladores extra a ajudar a salvar vidas, talvez viesse a vacina, o que seria uma salvação para a Humanidade. É uma hipótese que neste momento, com estas medidas parece possível. Mas também é uma solução trágica, com muitos milhares de mortos, mas em números na ordem dos 10% do último cenário. O problema deste cenário é a situação social e económica, que seria uma catástrofe muito alongada para o país, passaríamos a viver sempre com medo do vírus.
IV- conseguir com medidas muito severas dominar o R0 abaixo de 1. Isto mataria a doença dentro de 40 a 50 dias. Ainda há poucos casos, menos que no resto da Europa face ao total da população. O problema reside no facto de o vírus poder ter uma nova propagação incontrolável numa população que não ficaria imunizada. Se conseguíssemos baixar o R0 para valores mais baixos teríamos de manter um controlo fronteiriço muito apertado durante muito tempo, pois há países ainda longe da crise que terão picos muito depois. Outros países conseguirão alongar o pico, mantendo o vírus em circulação meses ou mesmo anos, este vai ter mutações e nada nos garante que a imunidade não se vai perder dentro de seis a sete meses… Mas neste cenário morrem menos pessoas, se o quarentena geral fosse feita hoje, morreriam menos de 2000 pessoas em Portugal de certeza quase absoluta. O que é um número muito aceitável e até aos níveis de certos anos de gripe sazonal o que é muito doloroso mas inevitável. Com as compras de ventiladores a serem feitas atempadamente, neste preciso momento, toda a gente teria tratamento adequado e o pessoal de saúde teria uma sobrecarga enorme mas possível de gerir. Talvez não fosse necessário o Estado de Emergência.
Qualquer dos cenários iniciais pode ser transformado no último com medidas cada vez mais restritivas que reduzam a taxa de contágio efectivo, introduzidas de forma gradual, mas isso implica muitos mais mortos do que intervir logo com força no início, um dia perdido na indecisão no início, no caso do cenário II, implica centenas de mortos a mais no final da crise. Neste caso a gradualidade e experimentação custam muitas vidas e prejudicam a economia a longo prazo.
Nenhum cenário é bom! Mas, para mim, como matemático, a última hipótese é a melhor e mais segura. É preciso ajudar o governo e as autoridades a tomar medidas que resolvam o problema, para nós essas medidas são as que actualmente vigoram na Itália, menos do que isso não nos coloca no cenário IV, mesmo assim o mais favorável para o país, os portugueses e as suas vidas futuras.